A Prece das Sete Linhas evoca as bênçãos de nosso mestre. Há duas maneiras de recebermos as bênçãos: uma são as bênçãos pela informação, onde aprendemos, compreendemos o que devemos adotar e o que evitar na vida – e geralmente neste processo de aprendizado começamos a compreender como complicamos nossa própria vida, o que fazemos para nos machucar e machucar os outros. Então começamos, com esta educação, a reduzir nossas influências negativas e a aumentar a nossa positividade.

Aprendemos muito sobre nós mesmos através das bênçãos do professor. Temos de estar dispostos a ouvir, o que é em si um desafio. É muito difícil ouvir porque já estamos tão cheios de certezas, que ouvir os ensinamentos pode ser um confronto e tanto àquilo que assumimos como sendo verdade. Portanto, ouvir os ensinamentos requer um certo grau de receptividade e abertura. Podemos compreender muito ao ouvir e aprender.

Também aprendemos observando os exemplos de nosso professor. Vemos como ele faz as coisas, não apenas o que ele diz – o que é fascinante -, mas a maneira como ele leva a vida. Isto é muito importante porque podemos aprender de uma maneira que estamos acostumados em nosso desenvolvimento humano, que é aprender observando.

Mas a outra maneira pela qual recebemos as bençãos está além das palavras, não está confinado por elas. É realmente mais primitivo do que as palavras, mais fundamental, mais natural.

Eu li uma história infantile sobre um menino selvagem. Ele vivia na floresta e não sabia que quente era quente e frio era frio. Ele não compreendia a linguagem e estava ok com isso – não exatamente se relacionando com outros seres humanos, mas estava ok. Nós aprendemos várias maneiras de interagir e formas de viver em nosso mundo que necessitam um desenvolvimento intelectual, a linguagem, palavras, comunicação – e não que haja alguma coisa errada com isto, mas é que acabamos ficando muito dependents disso e ficamos muito envolvidos nisso ao ponto de excluirmos qualquer compreensão de que temos uma mente sem isso, que temos uma mente mais primitiva do que esta.

Ficamos envoltos em idéias e conceitos, e achamos que se pensarmos bem o bastante, com rigor o bastante, por bastante tempo, iremos de fato encontrar a solução. Mas pensar serve apenas até certo ponto. Não que você tenha de ser bobo, ou sem pensamentos, mas você deve compreender o contexto maior da mente: a natureza da mente na qual um pensamento surge, a natureza da mente que sustenta o pensamento enquanto você o tem, a natureza da mente na qual o pensamento se dissolve quando ele chega ao fim, a base da mente, a essência da mente, a natureza da mente que não é confinada pelos pensamentos. É uma grande bênção experimentar essa natureza da mente.

O professor, o lama, o mestre deve ser aquele capaz de ambos – capaz de explicar e de ser um bom exemplo; capaz de encontrar com você de igual para igual, com seu próprio poder intelectual, mas também como um detentor desta sabedoria maior, que é a natureza da mente – que é a natureza não-nascida, que não morre, que não é passível de ser colocada à prova, nem de ser reduzida, nem de ser perturbada, e que é a natureza de todas as coisas.

Chamamos tal pessoa de um ser de sabedoria. Eles vêm de uma plataforma diferente da nossa. Não que não tenhamos essa mesma natureza, mas é que geralmente usamos a plataforma de nosso intelecto – este nosso intelecto que observa, percebe, planeja, que tem medos e esperanças, que julga e age rapidamente em resposta ao que percebe. Nosso intelecto é muito ocupado e damos muita atenção a ele.

E o que o Senhor Buda nos apresenta é que há algo problemático em ser unilateral, em contra unicamente com o intelecto, em pensar que é isso o que somos – “Penso, logo existo”.

Identificamo-nos com o ponto de referência do pensador, em vez de termos a realização da natureza da mente, que dá suporte àquele ponto de referência, que é a base daquele ponto de referência, a natureza daquele ponto de referência.
Esta base ou natureza é o que chamamos de Buda, e é natural para todos os seres – seres humanos e também os demais. Não existe nada separado deste solo, que é a base do estado desperto vacuidade que permeia todos os fenômenos.
A natureza das coisas é a mesma base da natureza da sua mente. O único problema é que não experienciamos a natureza de nossa mente, porque usamos esta plataforma incidental do nosso ponto de referência temporário, que chamamos de “Eu”. E, ao assumir este “Eu”, experimentamos tudo que é o “não-Eu”. Existe o “Eu” e aquilo que não é o “Eu”: pode ser o meio ambiente, meus amigos, minha família, meus inimigos, tudo o que é o “não-Eu”, que é aquilo com o que eu interajo.

Ao mesmo tempo em que a natureza que permeia ambos os lados desta equação não é dividida, esta base de igualdade está faltando na divisão entre “Eu” e o “não-Eu”. E nesta divisão – que não é absolutamente verdadeira, mas sim a nossa própria experiência –, temos as nossas preferências, com as coisas que não são “Eu” que eu quero, e as coisas que não são “Eu” que eu não quero. “Eu” está muito ocupado querendo o tempo todo.

Eu preciso, eu quero, eu tento ter – e tudo isto é ok, a princípio, se eu puder ter aquilo que quero. Mas isso é um tanto difícil, na verdade. Temos de trabalhar duro para conseguir, e ainda que eu consiga o que quero, o que é raro, é impossível manter porque o que quer que seja experienciado pelo “Eu” é impermanente. Tudo é impermanente. Somente a base da mente, a natureza das coisas, não é impermanente.

O problema é que usamos a divisão da mente. “Eu” quero ser feliz, assim como todo o mundo quer ser feliz. O seu “Eu” não é o único – todos os “Eus” querem ser felizes. E da mesma maneira que não é possível para o seu “Eu” produzir felicidade duradouro, não é possível para eles tampouco.

O “Eu” não consegue produzir felicidade duradoura. O “Eu” não é duradouro, é impermanente, e da mesma maneira que não queremos sofrer, ninguém quer. Não gostamos de algo, ficamos doentes, com medo, ou sentimos frio ou fome e é tão dolorido ser ignorado – ninguém quer sofrer.

Aqueles que estão confinados dentro do “Eu” estão sempre em busca de felicidade e tentando evitar a infelicidade. E felicidade não é encontrada de maneira duradoura. Algumas vezes, a felicidade pode durar um pouco – o que, na verdade, é um pouco problemático, porque ficamos acostumados, e na maior parte do tempo nem notamos quando estamos felizes, mas sim quando ela termina: “Eu era tão feliz antes! E agora, como vou fazer para ser feliz de novo?" E você procura em todos os rostos: “É você? Você vai me fazer feliz? Tenho certeza que é você.” Então saíamos à caça e cultivamos fenômenos impermanentes, que não conseguem produzir felicidade duradoura. E o que Buda está nos dizendo, é que há aí um grande problema.

O Buda não tinha a intenção de ser malvado quando ensinou que a vida é sofrimento. Ele estava alertando que se você procura felicidade em fenômenos impermanentes certamente irá se decepcionar. E, como resultado de não entender como a mente funciona, sem entender que não podemos confiar na nossa mente como uma grande verdade, sofremos. Sofremos nascimento – se apenas você conseguisse lembrar, não foi fácil –, nós sofremos doença, velhice e morte. Essas são as forças que não conseguimos evitar. Nós tentamos, temos grandes indústrias para tentar evitar esses sofrimentos, para aliviar essas etapas. E ainda assim, morremos.

E se você olha, isso parece natural, parece acontecer de novo, de novo e não nos surpreende. “Ah, um e outro morreu” – que surpresa! Sim, sim, é isso que vai acontecer com todos nós, e isso não significa que é perfeito, porque o que é perfeito não nasce e não morre, o que é perfeito não é improvável ou reduzível ou não construído. Tudo o que é construído irá desmoronar, o que é verdadeiramente perfeito, o que é verdadeiramente refúgio, o que é verdadeiramente seguro é o que não pode ser cortado, o que não pode ser interrompido, e é completamente vitorioso e absolutamente verdade – isso é a natureza das coisas, a essência de tudo, isso é a natureza da mente e nós chamamos a isso de Buda.

Veja bem, há algo aqui: o que é verdade é verdade, não é possível a verdade estar ausente. Se faltar, não pode ser verdade, precisa estar presente. A verdade é presente, e ainda assim não percebemos isso porque estamos tão ocupados com o eu, meu, minha, meu filho, minha casa, minha família, meus pais, minhas aspirações, minhas expectativas, minhas esperanças, meus temores – isso domina completamente a sua mente. Mas o tempo todo, a natureza absoluta perfeita nunca se moveu, nunca se foi. Isso é algo que você precisa ganhar.

Você não precisa agradar à perfeição. Você é completamente inseparável da perfeição como um todo. Mas nós não vivenciamos nossa natureza absoluta e confiamos na base intelectual como se fosse verdade. Com isso ficamos desapontados, de coração partido e solitários, lamentando: “Onde a perfeição foi parar?” É como o cubo de gelo que chora para o céu: “Onde a água foi parar? Como a água pode me abandonar, frio, congelado, duro, frágil e sozinho?” E é errado chorar. A água não deixou o cubo de gelo, ele é água, é água sob a influência do frio. O frio é removível, a água não é removível do cubo de gelo.

O que o Senhor Buda estava dizendo é que estamos congelados, estamos sob a influência do frio e o que está causando o frio é o modo como a nossa mente funciona, o modo que a nossa mente trabalha com a suposição intelectual do “eu” e, obviamente, sua extensão, o outro.

Porque “eu” sou o que conhece você, “eu” é o que chama você de você. Eu sou quem supõe quem você é. Você pode percorrer grandes distâncias para tentar explicar quem você é para mim, mas somente eu tenho o meu entendimento de você, que é tudo o que eu tenho.

Mas você é um Buda, você é a essência perfeita, essa é a verdade de você. Não é necessariamente a sua experiência de você, nem a minha experiência de você que é a verdade.

Então, pensamos: mas eu sou mais importante do que você, obviamente, é instintivo. Eu sou, e eu sou importante, você talvez seja uma pessoa legal, nós poderíamos nos dar bem, contanto que você não fique no meu caminho. Isso é o que fazemos com o “eu”.

“Talvez você possa me fazer feliz, especialmente se você é charmoso e bonitão. Nós poderíamos ser amigos, claro, se você se adequar ao meu estilo, se você mudar muito, desculpe, mas não poderei mais tê-lo na minha lista de amigos. Éramos amigos, mas viramos desconhecidos, sabe? Ele começou a fazer coisas que eu não podia tolerar mais...”

Nós aceitamos e nós rejeitamos: é isso o que o “eu” faz. A tragédia é que não seria tão ruim se funcionasse, mas não funciona porque o que o eu pode fazer somente se volta para o eu, porque não existe dois, existe apenas a sensação de dois e não entendemos que o que temos é a nossa mente, é esse o mundo que se tem, a mente, e o que a mente pode dar a você.

E se a sua mente é estreita, pequena, crítica, superior, você vai vivenciar um mundo que é pequeno, superior, crítico. E o quanto mais você vivencia um mundo como esse, mais você justifica seus atos estreitos, críticos e pequenos e pensa que você precisa lidar com isso, eu sei o que está acontecendo aqui.

E ficamos boxeando com a nossa mente. O que o Senhor Buda nos apresentou é que não entendemos a nossa mente, não entendemos o que a nossa mente faz, não entendemos quem está verdadeiramente no comando. Pensamos que outras pessoas causam o nosso sofrimento, quando na verdade é a nossa mente que causa o nosso sofrimento.

O Senhor Buda disse primeiro “a vida é sofrimento”, e então disse: “Existe uma razão” – este é o segundo ponto. Algo está criando o sofrimento, se você puder isolar o que está criando o sofrimento, você (terceiro ponto) muda o sofrimento porque descobriu o que está causando isso, você pode mudar isso e finalmente, quarto ponto, o sofrimento pode acabar. Esse é o ensinamento de Buda.

Basicamente, não acreditamos realmente em Buda, que a vida é sofrimento, ainda pensamos que é um prazer ir ao Starbucks, que existe algo que é realmente engraçado e que vale a pena. Mas o Buda não estava dizendo que você não pode se divertir, e nós concordamos com o Buda de que existe um causa para o sofrimento. Geralmente a causa é o meu marido, ou minha sogra, ou talvez algum político, fiscal do imposto de renda, viroses, ou porque está muito quente, ou muito frio, qualquer coisa.

O única momento que realmente reconhecemos que somos a causa do nosso sofrimento é quando mordemos no canto da boca – ah, sim, essa realmente entendemos. Quase todo o resto culpamos em alguém. Nós somos a cultura do culpar, e Buda diz: não existe ninguém para culpar, não existe absolutamente ninguém mais para culpar.

Bem, isso é um pouco duro para nós, é fácil culpar mas não funciona,  porque quando culpamos exercitamos energias negativas. Essa pessoa é a razão do meu sofrimento, e Buda diz: Não, não é a razão pela qual você está sofrendo. Essa pessoa, na melhor das hipóteses, entregou o seu sofrimento, mas não é o motivo do seu sofrimento, existe outra causa.  A pessoa é um resultado, existe uma causa que produz o sofrimento. A causa que vem com o marido não é o marido. O marido é apenas um cara que quer ser feliz, que não quer ser infeliz, que está tentando descobrir como fazer isso funcionar. Para ele, ter que lavar a louça consta como sofrimento e deve ser evitado a todo custo.

É o que as pessoas fazem, todos nós fazemos isso. De fato não somos tão diferentes, estamos tentando ser felizes, apenas abordamos isso de maneiras diferentes. Para alguém lavar louças é um prazer, isso é diferente. Os dois estão na busca da felicidade e de evitar o sofrimento, os dois estão servindo ao eu e os dois vão sofrer o frustrar das expectativas.

Então, Senhor Buda está dizendo que o problema não está nas experiência da sua vida, apesar de elas serem difíceis e que você provavelmente terá q se acostumar a isso, não pense que será fácil. Isso vai enfraquece-lo. Não é fácil, é difícil, não pela mão de nenhuma outra pessoa, mas porque estamos entrincheirados nesse sistema de servir a si mesmo.

Já criamos muitos “momentus” nessa interação entre o eu e o outro que não são realmente verdade, e essa interação entre eu e o outro tem reverberação, ação, reação, ação, reação, e somos pegos por isso.

O modo como agimos, o que acontece conosco, explica porque isso não funciona. Cada pensamento, cada palavra, cada ação é como um bumerangue. Eu tentava explicar isso para o meu filho quando ele era pequeno. Eu dizia: “Joe, é como ser um homem magnético e todo metal gruda em você: cada pensamento, cada palavra e cada ação é metal e isso gruda em você, o que você faz volta para você.

E, bom também: o que você faz volta para você. É por isso que é tão importante que aprendamos através do lama ao que aderir e ao que rejeitar, porque você  quer produzir o que vai trazer felicidade para você, até mesmo se é impermanente, é melhor ter felicidade impermanente do que miséria.

Então, pelo menos você deve cultivar as causas. Mas, até mesmo que você possa aprender a produzir as causas que trazem felicidade, não é a solução. Será impermanente, o que quer que o “eu” crie pode apenas ser impermanente. Pode ser maravilhoso e pode ser bom, mas será impermanente.

O que é absolutamente essencial é entender a natureza da mente além do “eu”. Você precisa saber que bondade é o que você é, não o que você acha que é. Seu corpo é impermanente, mas sua mente não, a essência do estado desperto intrínseco não é feita e não muda. Se você tem um dia bom, ele não é feito melhor, se você tem um dia ruim, não é feito pior, e se você morre, isso é tudo o que estará lá, esse estado desperto nu.

Quando perguntei ao meu professor, Rinpoche, qual era o propósito da vida, Rinpoche disse: “O propósito da vida é se preparar para morrer. Porque tudo isso a que nos apegamos vai morrer, você precisa estar alerta”. O exemplo que ele usava era do oceano e ondas, como o intelecto da nossa mente, quem percebe a mente, a função sujeito-objeto da nossa mente são como as ondas do oceano.

“Eu sou”, diz a onda e vê a outra onda e pensa: “Eu sou pequena comparada a ela, eu preciso ir mais rápido, preciso crescer”. Ou é grande e diz: “Olha, eu sou melhor do que ela, e vamos onda a onda, algumas ondas indo bem, algumas ondas atravessando umas as outras, algumas grandes, algumas pequenas, algumas nada além de marolas – que triste, apenas marolas -, mas existe o momento em que a onda percebe onde está indo e que está indo para a praia. Ela pode ver esse final, não dá para ir além da praia. Ela pode ver a cara do precipício, ela é uma memória esperando para acontecer. Você pode imaginar a onda pedalando para trás? E ela morre lá, não importa se é grande, se é pequena, se é nada além de uma marola, ela morre ali.

Mas o oceano não morre, o oceano não se move. Você precisa conhecer a natureza da sua mente porque todo o resto morre. Nós temos tanto medo e é natural que nossos instintos nos preservem. Mas isso não funciona.

Então, quando você se aproxima de um caminho espiritual é um pouco contra-intuitivo, é uma pegadinha a auto-preservação, porque podemos procurar pelo oceano e não vai funcionar. “Eu acho que é uma boa idéia ser um Buda, eu acho que é um ótimo plano, vamos fazer isso”, e eles pensam: “Eu vou ser um adorável Buda azul, não um Buda vermelho, eu vou ser masculino, feminino, eu, eu, eu, eu vou ser ótimo como um ser iluminado”. Mas é mais “eu” e seu intelecto se tornando algo.

É assim que você consegue conhecer esse “eu” com o qual está lidando, porque é sempre se tornando algo. Mas o que é natural é, não está se tornando. É muito importante para nós termos um mentor, um professor, alguém que possa apontar isso para nós e nos ajudar a entender como melhorar com o “eu”, mas principalmente como abandonar o “eu”.

Não é fácil deixar o “eu” ir, o único modo que realmente podemos fazer isso é através do amor. Nós fazemos isso com nossos filhos, talvez nem tanto em dias ruins, mas em dias bons nós realmente nos preocupamos mais a respeito deles do que quanto a nós mesmos. É um pouco delicado com crianças porque fazemos algo tipo “Austin Powers”, o Mini-me. Alguém de vocês viu esse filme bobo? Mini-me? Bem, nós fazemos isso com os nossos filhos, meu Mini-me, e isso não necessariamente funciona nessa abordagem. Mas você realmente entende que você preferiria estar doente do que ver o seu filho doente, e não é um martírio, não é grande coisa, é completamente natural, de tanto amor e compaixão.

Na tradição budista, o que o Senhor Buda sugeriu foi que, em vez de fazermos o movimento do ponto de vista do padrão problemático do “eu” e da auto-importância e da subjetividade da nossa mente e suas limitações e incapacidade, é perceber que você não é o único. É isso que está acontecendo com todos os seres não-iluminados. A natureza deles é Buda, eles são o oceano, mas o hábito deles, a identificação deles é com algo impermanente. E isso é trágico, é uma tremenda crise no mar: ganho e perda, esperança e medo, um ambiente de tragédia baseado nos próprios venenos da mente.

O que Buda sugeriu é que, como você não é o único, você entende o que está acontecendo com eles e isso é a base para a compaixão – sabendo que existe uma tragédia terrível não sabendo a natureza absoluta da mente. Compaixão em uma perspectiva budista não tem nada a ver com simpatia, apesar de, é claro, alguém poder lamentar pelo sofrimento dos outros. Realmente, compaixão é um entendimento muito claro do problema que não precisa acontecer, mas está acontecendo.

Pessoas não precisam ganhar compaixão. Não existe nenhum ser não iluminado que não mereça compaixão. Todos são Budas que não sabem sua natureza, eles estão fazendo a história deles pior e pior, atacando, tentando preencher a si mesmos, magoando e ferindo os outros. Nós não temos que levar isso para o pessoal quanto eles tentam nos atacar, não é com a gente, é realmente com eles próprios.

Requer coragem para entender que você vem errando sobre o “eu”. Requer coragem entender que você é incapaz em relação a isso. Requer mais coragem ainda entender que você não é o único com esse problema e que pelo menos você tem um pouco de noção a respeito do problema. Outros não tem essa percepção do problema. E o que isso significa é que, com coragem, você pode relaxar sua auto-imporatância e em vez disso se preocupar com o bem estar dos outros, servir o Buda, o Buda como a sua sogra, o Buda como o seu inimigo, o Buda como o motorista que não tem consideração, o Buda que é o seu filho, o Buda que é a sua mãe. Todas essas pessoas só querem ser felizes e não sabem como, eles não querem ser infelizes e ficam perpetuando as causas para a sua própria miséria.

A coragem de cultivar um coração puro e corajoso é perceber que você tem que ter coragem para fazer o seu trabalho, perceber a natureza da sua mente, mas não por você mesmo, pelos outros. Perceber a natureza da sua mente, que você pode incessantemente, infindávelmente, não importa quão má a história vá, que você possa nunca deixar de cuidar dos outros, que não importa quem seja, onde esteja, que o seu amor e a compaixão possam eliminar a confusão que perpetua a experiência de miséria. E o único modo que você pode fazer isso autenticamente é percebendo a natureza da sua própria mente e daí você pode servi-los, daí você pode ajuda-los.
Não se trata da sua paz, não se trata da sua saúde ou sua cura, isso é o ego dominando. Claro que ele quer paz, claro que quer saúde, claro que quer bem estar, ele quer ser feliz, mas não consegue produzir usando o ego. Isso é o que Buda nos apresentou – e é realmente magnífico.

E a razão pela qual eu comecei com a oração é para lembrar da bondade que eu recebi, bondade de me dar compreensão do modo que a minha mente funciona, mas também da imensurável generosidade da presença, da bondade que é presente. Um dos nomes de Buda é “O Todo Bondoso” – ele não pode ser ausente e está na energia de cada momento, não é algo além, Buda além do arco-íris ou Buda no fim de um longo percurso de dificuldades, é Buda que está presente, estado desperto presente. Nós chamamos de refúgio – esse é o oceano.

Então surge a aspiração de que todos os seres possam obter a realização da sua natureza búdica, que eles possam ser livres e completos, livre do sofrimento e completos de sua totalidade, que as condições do nascimento, doença, velhice e morte, não ser capaz de conseguir o que se quer, não ser capaz de se prevenir do que não se quer, possam finalmente cessar, que os serem possam ser realmente livres.
Mas nós temos a nossa história, nós estamos na experiência da nossa mente, então não será fácil. Eu acredito em termos coragem, realmente você precisa entender que é difícil o modo como vemos as coisas, não que a dificuldade seja uma verdade. E o mesmo para os outros, tão difícil para eles.

Você precisa ser paciente com suas dificuldades - e na maior parte do tempo não somos. Nós realmente rejeitamos as dificuldades. “Não, não, não! Isso não, e tentamos, fazemos de tudo. Mas na verdade existe algo poderoso se você consegue estar apenas completamente presente, mesmo numa situação ruim, perfeição é inerente ao momento. Mas nossa idéia daquele momento, nossa aceitação e rejeição do momento, nossas esperanças e nossos medos do momento, nós apenas precisamos sair dessa. E Buda disse: Não, você não pode sair dessa assim. Você precisa permitir e reconhecer a presença nisso. Isso é  chamado aceitação e requer paciência e também produz tremenda alegria, agora mesmo, perfeita neste momento.

© 2019 Chagdud Gonpa | Odsal Ling
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