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“A raiva é uma oportunidade
para descansar na natureza da mente”

Quando li sua carta, lembrei de uma história que aconteceu com o Joe (filho de Lama Tsering) e o (Chagdud Tulku) Rinpoche. Joe tinha uns 11 ou 12 anos, talvez. Sei que foi antes de eu entrar em retiro. Joe se aproximou de mim enquanto eu estava com Rinpoche, resolvendo algum assunto corriqueiro. Rinpoche olhou para o Joe e perguntou: "O que acontece quando você sente muita raiva?"
Joe se virou para mim, em pânico, implorando com os olhos: "Será que isso é uma pegadinha?" Eu disse a ele: "Vá em frente. Tudo bem responder com honestidade."

Depois de uma pausa cuidadosa, Joe respondeu: "Quando sinto raiva, eu fico tão grande como o céu e consigo fazer qualquer coisa." Rinpoche ouviu com atenção e, depois de pensar um pouco, disse: "Talvez você realmente seja, meu filho."

A raiva é uma energia. Sua essência é perfeita, assim como a essência de todas as coisas. A diferença está em como conduzimos a situação. Normalmente, a raiva é que nos conduz... Engasgamos, gritamos, fazemos planos. Polarizamos e alternamos entre brigar e sair correndo. Mas o melhor seria se simplesmente deixássemos como está... A raiva é uma oportunidade para descansar na natureza. É isso o que significa quando se diz que "os obstáculos são o caminho".

Lidamos com os venenos da mente de maneira diferente, dependendo do caminho seguido. No Hinaiana, evitamos. No Mahaiana, convertemos. No Vajraiana, reconhecemos e descansamos na essência perfeita das coisas.

Rinpoche explicou, certa vez, que a intensidade da experiência nos ajuda bastante. Simplesmente não conseguimos ignorar. Pelo contrário, quando uma emoção arrebatadora nos pegar, isso quer dizer que estaremos em nosso ambiente de prática. Em outras palavras, este nível de prática não aconteceria em outra circunstância.

A tentação com a raiva é expressá-la ou reprimi-la - sendo que ambas são reativas. Em vez disso, devemos admirar aquele Buda (disfarçado de vizinho, por exemplo) que nos deixou possessos, possibilitando-nos usar o momento para meditar sobre a vacuidade da raiva. Isso não faz com que a raiva vá embora. Por que teria de ir embora? É como se fosse um beijo: gentil, presente, sem julgamento. Livre. Ele passa, assim como a meditação, que dura apenas um determinado tempo. Até que algum outro Buda vai deixar você bravo novamente.

É por isso que se diz que devemos nos prostrar aos pés de nosso inimigo. Sem aquele cara, como é que poderíamos praticar este nível de meditação?

Com carinho,

Lama Tsering (7/6/2010)

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